Segundo o escritoringlês Wells2 : “Adaptar ou perecer, agora e sempre, é o imperativo inexorável da natureza”. No dia 22 de abril de 2016, 195 países da UNFCCC (sigla em inglês, que pode-se traduzir para Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima), assinaram o Acordo de Paris, na sede das Organizações das Nações Unidas (ONU), em Nova Iorque – claro sinal da relevância que a nova governança multilateral climática terá para o desenvolvimento da sociedade no longo prazo. O Acordo pode ser traduzido numa nova postura de produção, um novo ambiente de consumo para uma sociedade cada vez mais engajada e informada. Na prática, para que o Acordo comece a vigorar, internacionalmente, 55 países responsáveis por 55% das emissões de gases de efeito estufa (GEE) devem ratificar o documento. O Presidente do Brasil assinou a ratificação no dia 12 de setembro, após a aprovação do texto pela Câmara e Senado. O Acordo de Paris, é um novo acordo climático global, entrará em vigor até 2020. O objetivo central é limitar a elevação da temperatura – deve ficar abaixo de 2ºC quando comparada ao nível pré-industrial e esforçando para limitar esse aumento em até 1,5ºC. Para isso, os países se comprometeram em reduzir as emissões de GEE nos próximos anos, com planos nacionais descritos nas chamadas INDCs (sigla em inglês para Contribuições Pretendidas Nacionalmente Determinadas), na qual deve-se indicar o esforço que cada país está disposto a fazer para contribuir com a redução das emissões, além de indicar ações de adaptação dos sistemas produtivos e considerações sobre meios de implementação dos planos, inclusive citando as fontes de financiamento. No Brasil, as INDCs que foram submetidas, em outubro de 2015, contemplam uma meta absoluta de redução de emissões de GEE de 37%, até 2025, e de 43%, até 2030, com base nos níveis registrados em 2005. A descarbonização da economia pretendida Além do setor energético ver a possibilidade de entrar de vez na era da economia com baixa emissão de carbono, o setor financeiro, atualmente, é o que vem puxando uma nova fronteira de investimento – visando a mudança do combustível fóssil para alguma economia limpa (energias renováveis, ciclo de vida de produto, economia circular, etc). Como exemplo, pode-se observar as iniciativas vinda do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) - Portifolio Descarbonization Coalition (PDC) e Carbon Disclosure Project (CDP) onde o foco de trabalho é a realização de inventários de emissões de GEE de empresas. A partir dos inventários realizados, a meta é de atrair investidores que mudem seus investimentos no mundo atrelado a combustíveis fósseis para àquelas empresas que já atuem com energia renovável, há uma mudança clara de cultura no mercado financeiro. Como um outro exemplo desta mudança de visão para uma economia de baixo carbono, cita-se um Programa do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) onde tem-se US$ 450 milhões para títulos de dívida para promoção da eficiência energética na América Latina. A FAO buscou um pacto com mais de 500 companhias em todo o mundo, envolvendo indústria e sociedade civil, para lançar a iniciativa “Save Food”, que trata sobre evitar o desperdício de alimentos, estimado em 1 US$ trilhão por ano. Uma das mais importantes realizações do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) foi a divulgação de um conjunto de cenários de emissão de GEE, conhecidos como cenários SRES (Special Report on Emissions Scenarios), que levam em consideração forças controladoras, como demografia, desenvolvimento sócio econômico, mudança tecnológica, bem como suas interações nas emissões de GEE. A partir destes modelos pode-se escrever a estratégia de atuação visando a redução de emissões, dependendo dos setores econômicos envolvidos. A adoção de um desenvolvimento pautado em uma nova concepção de utilização de recursos naturais, na avaliação do ciclo de vida de produto e um novo olhar para o tipo e estilo de consumo, não somente será importante para o atendimento dos compromissos internacionais. Agir de maneira firme e ambiciosa, levando em conta os interesses nacionais de desenvolvimento socioeconômico, traz ao Brasil a oportunidade de requalificar seu projeto de desenvolvimento nacional. No setor da agropecuária brasileira, esse novo desenvolvimento, também, já vem sendo implementado, inclusive com metas avançadas a serem cumpridas. Como carro chefe desta nova economia, tem-se o Plano ABC – Agricultura de Baixo Carbono, que privilegia ações em 6 linhas diferentes, e ainda um programa com ações de adaptação às mudanças climáticas. As linhas temáticas e suas respectivas metas a serem alcançadas estão listadas a seguir: • Recuperação de Pastagens Degradadas – meta de recuperação de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas até 2030; • Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (iLPF) e Sistemas Agroflorestais (SAFs) - incremento de 4 milhões de hectares de sistemas de integração lavoura-pecuáriaflorestas (iLPF) até 2030; • Expansão da adoção do Sistema Plantio Direto (SPD) em 8 milhões de hectares; • Expansão da adoção da Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN) em 5,5 milhões de hectares de áreas de cultivo, em substituição ao uso de fertilizantes nitrogenados; • Florestas plantadas - restaurar e reflorestar 03 milhões de hectares de florestas até 2030, para múltiplos usos; • Ampliação do uso de tecnologias para Tratamento de Dejetos Animais – 4,4 milhões de m3 a serem tratados; • Adaptação às Mudanças Climáticas – investimento em energia renovável: etanol, bioenergia e biodiesel. Dentro do Plano ABC, foi previsto o Programa ABC que consiste em uma linha de crédito voltada ao atendimento destas linhas tecnológicas da Agricultura de Baixa Emissão de Carbono. Estes recursos, outrora operados pelo BNDES, atualmente, também, é operado via Banco do Brasil. A seguir, destaca-se um mapa indicando a distribuição espacial dos recursos do Programa ABC para o total acumulado contratado desde a safra 2011/12 (início do Plano) até a última safra, 2015/16.
Cabe ressaltar, segundo a última publicação do Observatório ABC, que a linha destinada à recuperação de pastagens (ABC Recuperação), na safra 2015/16, foi a modalidade onde mais se teve fechamento de contratos, representando 48%, com R$ 982 milhões desembolsados, principalmente, nas regiões Centro-Oeste e Sudeste brasileiros. O Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA) – o que vem por aí... O PNA envolve a identificação da exposição do Brasil aos impactos atuais e futuros baseando-se em projeções de clima, a identificação e análise da vulnerabilidade e a definição de ações e diretrizes que promovam a adaptação voltadas para cada setor. Para isso, o Ministério de Meio Ambiente proporá um sistema de gestão de conhecimento, promoverá a pesquisa e desenvolvimento de tecnologias para adaptação, desenvolverá processos e ferramentas em apoio às ações e estratégias e definirá políticas de adaptação, principalmente nas áreas de risco, habitação, infraestrutura básica, especialmente nas áreas de saúde, saneamento e transporte. O PNA foi lançado em 10 de maio de 2016. Já como resultado do PNA, tem-se a “Plataforma de conhecimento em adaptação à Mudança do Clima” – AdaptaClima. Esta plataforma visa promover a interação entre organizações, fazendo a ponte entre conhecimento e tomada de decisão para toda sociedade, inclusive os produtores rurais. Os resultados desta plataforma já devem estar disponíveis para a sociedade a partir do próximo ano e será uma importante ferramenta de desenvolvimento de políticas de adaptação. Duas ações centrais do programa de adaptação envolvem as metas principais estabelecidas, que constam como metas do PNA, estão diretamente relacionadas com o setor agropecuário, são elas: 1. O estabelecimento do Centro de Inteligência Climática da Agricultura, voltado para aplicação do Risco Climático no planejamento e desenvolvimento das Políticas Agrícolas Brasileiras; e 2. O desenvolvimento e implementação do Sistema de Monitoramento e Simulação de Risco e Vulnerabilidade Agrícola. Quando se pensa em adaptação e ocorrência de problemas na agricultura, rapidamente se depara nos impactos ocasionados nas culturas devidos às mudanças do clima gerando insegurança ao produtor rural. Alterações nos regimes das chuvas, ocorrência de novas doenças e pragas, necessidade de desenvolvimento de cultivares resistentes são aspectos que devem passar a fazer parte da discussão entre setores produtivos e Governos. No caso da agricultura, é possível que, para que se mantenha o sistema de produção, se tenha que mudar culturas, espécies, tradições. Em muitos momentos, para fazer esta mudança, os produtores rurais terão que rever os processos de produção, suas estruturas sociais e definir um novo caminho de desenvolvimento, cada vez mais sustentável. A regularização dos empreendimentos rurais perante o Código Florestal baseada no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e nos Programas de Regularização Ambiental (PRAs) estaduais poderá, na prática, se tornar uma ferramenta efetiva de controle do desmatamento, promovendo a recomposição de áreas de preservação permanente e de reserva legal, contribuindo para o sequestro de carbono com o desenvolvimento das matas nativas. Será uma mudança importante do uso atual da propriedade. O estabelecimento das áreas de preservação e de reserva legal irá contribuir, significativamente, para um novo desenho da paisagem, das microbacias hidrográficas, redefinindo padrões atuais de exploração dos recursos naturais, no âmbito do estabelecimento rural. Estima-se que, o processo de regularização perante o Código Florestal enseje a restauração de 5 milhões de hectares de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e de ao menos 7,5 milhões de hectares de áreas de Reserva Legal (RLs), o que pode promover a formação de estoques de carbono da ordem de 4,5 bilhões de toneladas de CO2eq nos próximos 30 anos. Esse potencial de mitigação é estratégico para que o Brasil possa trilhar uma economia de baixo carbono no setor de uso da terra (Land Use, Land Use Change and Forestry – LULUCF) e de agropecuária. O potencial sequestro de 4,5 bilhões de toneladas de CO2eq compensaria dez anos das emissões anuais do setor agropecuário (linha de base em 2012 - 446 milhões de toneladas de CO2eq). Ainda mais, equivaleria às emissões brasileiras por quase quatro anos, considerando os dados de 2012 (1,2 bilhão de toneladas de CO2eq). Adicionalmente ao potencial de formação de estoques de carbono por meio da restauração florestal e da compensação, é importante mencionar que existem 193 milhões de hectares de vegetação nativa em propriedades privadas na forma de APPs e RLs, o que representa um estoque de 87+-17 bilhões de toneladas de CO2eq. Essas áreas protegidas representam 53% do total de vegetação nativa no Brasil e desempenham um papel fundamental como estoque de carbono e ativos de conservação no contexto das metas nacionais de biodiversidade. Em conjunto com as ações diretamente ligadas ao setor de uso da terra, a recuperação de 15 milhões de hectares de pastagens e a implementação de 5 milhões de hectares de áreas de Integração Lavoura Pecuária-Floresta (ILPF) são ações atreladas à agropecuária de baixo carbono, mas que possuem relação direta com a dinâmica de uso da terra. A recuperação de pastagens decorre não somente da restrição de abertura de novas áreas, mas, principalmente, da necessidade de intensificar a produção e aumentar a produtividade, trazendo benefícios concretos para o produtor. Para que isso aconteça, há necessidade de investimento no produtor rural, ampliando as informações técnicas, promovendo capacitação e possibilitando o acesso ao crédito, a fim que ele que possa implementar essa nova rotina de produção. Dados da Agroicone mostram que a expansão do uso de etanol de cana até 2030, chegando a 51 bilhões de litros, e 5 bilhões de litros de etanol 2G (segunda geração), poderiam representar emissões líquidas evitadas de 1.140 milhões de toneladas de CO2eq. As usinas paulistas são produtoras e exportadoras de energia elétrica a partir da queima do bagaço da cana. As usinas signatárias do Protocolo Agroambiental produziram, na safra 2015/16, cerca de 18.100 Gwh (unidade de consumo) de energia elétrica. A energia que já é exportada anualmente para a rede por essas usinas, em torno de 10.170 mil Gwh, é equivalente a aproximadamente 26,0% do consumo residencial paulista. Analisar adaptação ou vulnerabilidade não é fácil. O contexto pode e deve variar ao longo do tempo. Isso precisa ser levado em conta. Uma ferramenta potencial para reconhecer tais processos na política poderia se basear no conceito do Adaptation Policy Framework (Burton et al., 2002; UNDP, 2004; Burton; L, 2005) que explica adaptação dentro do contexto de desenvolvimento, passando pelos seguintes passos: (1) desenho inicial e definição do escopo; (2) avaliação da atual vulnerabilidade; (3) caracterização de futuros riscos climáticos; (4) desenvolvimento da estratégia de adaptação; e (5) continuação do processo de adaptação, incluindo avaliação, monitoramento e a inclusão de futuras necessidades adicionais (ou benefícios). Será este o grande desafio proposta ao agronegócio brasileiro, qual será a estratégia, ações a serem implementadas, ferramentas, políticas que enfrentarão uma nova proposta de desenvolvimento? Muitas destas já estão sendo desenhadas, conforme aqui foi exposto, mas deve-se lembrar nos elementos centrais dos compromissos brasileiros: ações de uso da terra, redefinição da paisagem no âmbito do empreendimento rural, energias renováveis e agricultura de baixo carbono. A origem dos recursos para financiar as ações de combate às mudanças do clima deve vir de recursos públicos, mas não quer dizer que não haverá participação do setor privado. Este será responsável por grande parte do desenvolvimento e introdução de tecnologias no campo. A decisão do Acordo sobre Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD plus), juntamente com as decisões já adotadas sobre escopo e natureza, salvaguardas, metodologias e níveis de referência, pagamento por desempenho, são essenciais para que projetos REDD plus ganhem escala. O setor privado será essencial na implementação do novo Código Florestal. Na medida em que os produtores que possuem passivos comecem a se regularizar (com a regulamentação por Estado do PRA), a origem sustentável de alimentos, fibras e energias renováveis ganhará mais força. Assim, o governo brasileiro, bancos, setor produtivo, fundos de investimento e de pensão nacionais e internacionais terão nos próximos anos um desafio enorme de construir soluções financeiras que promovam ações de baixo carbono em escala. Por fim, o Acordo de Paris representa um enorme compromisso global com a descarbonização da economia. Para o Brasil, a agropecuária e a agenda de produção e conservação de florestas terão papel central nos esforços do País diante da governança climática global.
Fonte: Fabiana Santos Vilela